Tuesday, August 01, 2006

Bê-a-Bá

Faz frio. O suficiente, e talvez um pouco mais, para sair fumaça da minha boca enquanto desço a escada rolante do metrô. Encapotada, de botas, casaco, cachecol e o escambau. Bolsa pendurada na mão e Macunaíma na outra. O dedo indicador entre as páginas marcando onde parei com a leitura. Celular como recheio de sanduíche, entre minha orelha e ombro direito.
- Lu? Tudo bom? Cheguei já. Você vem me buscar?
- Tô saindo de casa.
- Quanto tempo?
- Em dez.
- Valeu! Beijo.
- Beijo.
Segui andando pelo terminal de ônibus. As barracas de pipocas, e de churros, e de biscoitos diversos por R$ 1,20 cada tanto de 100 gramas. Do meu lado vem vindo um qualquer mandando ver num hot-dog daqueles completos. E olha que ainda não são nem dez da manhã.
Virei a direita e saí do terminal. Marquei a carona ali mesmo. Andei um pouquinho mais e parei do lado de um ponto de táxi. Encostei no muro e voltei à leitura. Menos de uma página depois fui interrompida. Era um senhor, motorista de um dos táxis estacionados me convidando para sentar no banco do ponto. Fez isso com a maior das gentilezas, como que não admitindo que eu lesse em pé. Mas eu preferia assim. De verdade verdadeira. Talvez não conseguisse ser muito convincente, porque tive que recusar algumas vezes. Blá, blá, blá resolvido retomei o livro.
Do mesmo terminal, sem que eu me desse conta, vinha uma moça com pouco mais de vinte anos. Tênis, calça-jeans e jaqueta grossa de lã. Trazia uma receita médica na mão. Caminhava alternando os olhares pro papel e para os lados. Olhou para os taxistas. Esboçou dizer algo mas permaneceu calada. Me viu ali, encostada, lendo. Deveríamos ter a mesma idade. Chegou ao meu lado e pediu licença. Parei com a história. Olhei para ela.
- Oi, você sabe me dizer onde fica esse endereço?
Ia dizer que não morava ali e que não conhecia nada, o que era verdade. Mas não me precipitei e tentei ajudá-la. "Rua Monte Serrat, 97". Rua Monte Serrat, rua Monte Serrat... esse nome não me era estranho. Pensei por mais alguns segundos.
- É nessa rua mesmo!
- Onde?
- Subindo.
Depois de dizer isso que fui ver em que altura da rua estávamos. Cerca do número 130. A casa de cima era 142.
- Ah não! É pra baixo.
E ela me olhando.
- É ali.
Conclui por fim. Era um consultório médico popular. Do outro lado da rua. Praticamente na nossa frente. E ela:
- Como chama, heim?!
Falei o nome. Ela acenou com a cabeça como quem diz que era lá mesmo. Agradeceu e atravessou a rua. Retomei a leitura. E antes da segunda frase pensei que a moça, que tinha provavelmente a mesma idade que eu, ainda não aprendera a ler.

3 comments:

Anonymous said...

é isso aí nega! gostei da iniciativa...histórias tão especiais e que passam assim como um piscar de olhos e se não agarramos elas...ops... passam...

Anonymous said...

Ow...cadê outras histórias???

bjo Cá

Anonymous said...

nossa, nara, uma linguagem tao simples, tao boa, me emocionei com a Be-a-Bá... Parecia você me contando uma historia pelo telefone...
Fernanda