Tuesday, April 03, 2007

Infância


O nome dela era Jéssica. Sua primeira namorada de infância. Primeira e única, que fique claro. Não que tivesse preconceitos ou coisas do gênero. Ela jamais afirmaria que nunca mais haverá outra mulher em sua vida, mesmo tendo grande adoração por cheiro de homem e outras coisinhas mais. A questão é que não houve até hoje.
A Jéssica era vizinha da sua avó e uns dois anos mais velha. Brincavam nas férias, quando ela passava o mês todo por lá. Não fugiam muito as regras: boneca, casinha, comidinha, corda, amarelinha. Coisas de criança.
Adoravam quando o tio e a namorada do tio as levavam para tomar sorvete ou ir ao parque. Ele estava na faculdade ainda, era bonito, esportista, aventureiro. Um verdadeiro herói. E gostava de beijar na boca. Em qualquer oportunidade estava lá de boca grudada com a namorada. Fazendo carinho, mexendo no cabelo. No carro, deixava a mão direita repousando na perna dela. Chamavam-se de “mô”. Mô pra lá, mô pra cá.
Na casa da Jéssica tinha um quartinho nos fundos abarrotado de brinquedos. Em uma das paredes ficava um sofá de frente para a televisão preto e branco. Era lá que passavam as tardes frias de julho, tomando ovomaltine.
Nunca mais se viram e isso faz anos demais. Provavelmente não se reconheceriam na rua. Ela só lembra dos dentes muito brancos de Jéssica que não gostava de açúcar nem nada que fosse doce. Não tinha nenhuma cárie em nenhum de seus dentes de leite.
Jéssica não era bonita, disso ela sabe. Mas tinha dentes brancos e um beijo inesquecível. Esqueceu-se, porém, de como foi que tudo aconteceu. Só lembra do sofá e das horas que passavam se beijando. Não beijavam com tesão, apenas imitavam o tio.
Ali no sofá, a Jéssica fingia dirigir um carro imaginário, e deixava sua mão na perna dela. Quando paravam no suposto farol, era hora do beijo. E ficavam assim, com as bocas coladas e os lábios frouxos. A língua deslizando suave de um lado por outro. As vezes parada, as vezes molhando o cantinho da boca. As mãos, delicadas, tocavam as nucas, orelhas. Os olhos fechados lembravam da cena real. Inspiravam-se nela e faziam igualzinho. Com a mesma ternura.
Ao menor sinal de barulho o amor era interrompido. Sabiam que ninguém poderia ver como atuavam bem representando o tio e a namorada. Mas não conseguiam parar de fazê-lo, e não sentiam qualquer tipo de culpa ou vergonha.
O namoro era ingênuo. As mãos apenas afagavam os rostos sem explorar o resto dos corpos. Esses também não pediam por mais. Ela gostava do molhado das bocas quentes e macias. Gostava do gosto úmido, sem açúcar. Justo ela, viciada em doces.
Não se lembra por quantas férias isso se repetiu. É bem provável que tenha sido uma só e nada mais. Mas recorda-se que em uma temporada, Jéssica tinha arrumado uma amiga mais velha da rua de baixo. Como elas não a excluíam de nada, não sentiu ciúmes. Chegou a ir algumas vezes na casa da nova amiga. Mas o romance estava claramente desfeito. Não cabia mais ninguém na relação.
Quando finalmente beijou um rapaz, anos depois, sentiu-se um pouco invadida. A língua mexia rápido, ia e vinha sem ritmo. Os braços abraçavam desajeitados. Havia platéia assistindo. Ficou com vergonha contando os minutos para ir embora.
Ainda assim tentou de novo. Com outra pessoa. Foi tudo mais lento e envolvente. Os lábios se encaixaram bem, as mãos eram carinhosas. E tinha um cheiro que a deixou inebriada. Forte e persistente. Conhecera então seu primeiro namorado.
Até hoje não sabe se gostou dele ou se gostava de estar com um homem somente. Em pouco tempo ele começou a perambular com as mãos por dentro da roupa dela, que achava aquilo interessante. Diferente talvez. Mas não sentia arrepios ou molhava a calcinha. E quando ele colocou a mão dela dentro da calça dele, ficou sem graça porque não sabia como manusear aquilo.
Gostava de beijá-lo. Bastante. Mas era indiferente a nudez ou estímulos sexuais. Fazia quase tudo o que ele pedia para ela fazer. Não pensava em penetração de forma alguma. Ainda era muito nova e a falta de tesão não a incentivava em nada.
Depois de mais de dois anos foi convencida a praticar sexo oral. Apesar da estranheza sentiu semelhanças ao beijo. Sua língua lambia suave e os lábios roçavam na medida. Achava graça nas caretas dele e na afobação que tinha ao pressionar a cabeça dela para baixo. E ainda assim, ela não tinha trimiliques.
Terminou o namoro. Engatou outro na sequência e nada. Foi só na terceira tentativa, quando os corpos se encontraram pela primeira vez, que se sentiu realmente excitada. Não saberia explicar o que era, mas era. Sem dúvidas. E a primeira vez que se viu plena em um orgasmo desabou a chorar. Havia se livrado finalmente da Jéssica e seu amor infantil.